30/07/2008

AMIZADE EM ARISTÓTELES
Cristina Fam

Da Ética a Nicômaco

Os antigos colocavam a amizade entre as mais altas virtudes. Era um elemento essencial à felicidade e ao pleno florescer da vida. “Pois sem amigos,” diz Aristóteles, “ninguém escolheria viver, apesar de todos os outros bens.” Palavras dignas de serem lembradas num mundo de “bens” perecíveis.
Segundo Aristóteles, a amizade ou e, ou envolve, um estado de caráter, uma virtude. Há três tipos de amizade: fundamentada no prazer recíproco da companhia (amizade prazer), na utilidade da associação (amizade de utilidade) ou na admiração mútua (amizade na virtude). Todas são essenciais à vida plena e os amigos de melhor qualidade não só apreciarão a excelência do outro, mas terão prazer em sua companhia e encontrarão vantagens recíprocas na associação. Aqui, um trecho da discussão clássica de Aristóteles


Assim como os motivos da Amizade diferem em espécie, também diferem as respectivas formas de afeição e de amizade. Existem três espécies de Amizade, e igual número de motivações do afeto, pois na esfera de cada espécie deve haver “afeição mutua mutuamente conhecida”.
Aqueles que têm Amizade desejam o bem do amigo de acordo com o motivo da sua amizade; desse modo, aqueles cujo motivo é a utilidade não têm Amizade realmente um pelo outro, mas apenas na medida em que recebem um bem do outro.
Aqueles cujo motivo é o prazer estão em caso semelhante: isto é, têm Amizade por pessoas de fácil graciosidade, não em virtude do seu caráter, mas porque elas lhes são agradáveis. Assim, aqueles cujo motivo da Amizade é a utilidade amam seus amigos pelo que é bom para si mesmos; aqueles cujo motivo é o prazer o fazem pelo que é prazeroso a si mesmos; ou seja, não em função daquilo que a pessoa estimada é, mas na medida em que ela é útil ou agradável. Essas Amizades são portanto circunstanciais: pois que o objeto não é amado por ser a pessoa que é, mas pelo que fornece de vantagem ou prazer, conforme o caso.
Tais amizades são de fato muito passíveis de dissolução se as partes não permanecem iguais: isto é, os outros cessam de ter Amizade por eles quando deixam de ser agradáveis ou úteis. Ora, a natureza da utilidade não é de permanência, mas de constante variação: assim, quando o motivo que os tornou amigos desaparece, a Amizade também se dissolve; pois que existia apenas em relação àquelas circunstâncias...
A perfeita Amizade é a que subsiste entre aqueles que são bons e cuja similaridade consiste na bondade; pois estes desejam o bem do outro de maneira semelhante: na medida em que são bons (e são bons em si mesmos); e são especialmente amigos aqueles que desejam o bem a seus amigos por si mesmos, porque assim se sentem em relação a eles, e não por uma mera questão de circunstâncias; assim a Amizade entre esses homens permanecem enquanto eles são bons; e a bondade traz em si um princípio de permanência...
São poucas as probabilidades de Amizades dessa espécie, porque os homens dessa espécie são raros. Além disso, pressupondo-se todas as qualificações exigidas, essas amizades exigem ainda tempo e intimidade; pois, como diz o provérbio, os homens não podem se conhecer “até que tenham comido juntos a quantidade de sal necessária”; nem podem de fato admitir um ao outro em sua intimidade, muito menos serem amigos, até que cada um se mostre ao outro e dê provas de ser objeto apropriado para a Amizade. Aqueles que iniciam apressadamente uma troca de gestos amigáveis querem ser amigos mas não o são, a menos que sejam também objetos apropriados para a Amizade e se reconheçam mutuamente como tal: ou seja, o desejo de Amizade pode surgir rapidamente, mas não a Amizade propriamente dita.

(ALA)