06/07/2008

PALAVRA DE JEREMOABO
Espedito Lima
Procurei uma donzela para, com ela, nos unirmos matrimonialmente. Uma mulher ajuremada, acaboclada, genuinamente nordestina e sertaneja. Encontrei e me casei; uma linda “jerimum”. Depois de nossa oficial união, pensei em constituirmos uma grande família; uma família com muitos filhos e que eles fossem honrados, respeitados e nos honrassem e respeitássemos também. E assim foi; os filhos nasceram, cresceram, tornaram-se homens e mulheres feitos. Eles não me compreenderam e nem me compreendem, mas eu os compreendo; eles me entendem e me ouvem muito bem e até me dizem para onde devo ir e o que fazer; nada faço e não vou a lugar nenhum; estou parado, não sinto vontade de andar, muito menos de fazer alguma coisa por mim quiçá por eles, pois eles são quem não permitem que eu chegue a lugar nenhum; os outros já passaram e eu fiquei. Progresso para mim é uma tremenda piada; desenvolvimento é brincadeira e o meu futuro é uma verdadeira palhaçada. A minha cultura é o lixo; minha formação é meu desafeto; minha tradição, um descalabro; minha educação, um palavrão; minha hereditariedade nem eu mesmo sei do que se trata, é uma insignificante alegoria genealógica sem princípio, sem fim e o começo do que nada existiu.

Como eu sou? Eu sou eu mesmo; velho, sem mocidade e sem adultismo e minha criancice se foi sem eu ter passado por ela; não vi quando ela passou por mim, foi muito rápido; também, vê-la para que, para mais decepção e sofrimento; angústia e desilusão? Chega!

Não suporto mais o abandono nem de ser abandonado. Envergonho-me de mim mesmo e de todos os meus filhos, particularmente, daqueles que tomam conta de mim, me dirigem e estão com o meu destino nas mãos. Por falar em velhice, uns acham que nasci em 1831, outros preferem dizer que meu nascimento data de 1925. Pouco importa, eu sou eu mesmo, já disse. Que diferença faria ou faz? Nenhuma alteração, tanto faz 31 quanto 25; os números são apenas históricos, nada mais (não sei se sou histórico).

Eles podem representar alguma coisa para vocês, nunca para mim. O que me importa, é que eu me envergonho de ser eu mesmo e de me terem feito assim. Um pai sem filhos e uma mulher sem marido. Meus filhos nada fazem por mim e minha mulher só pensa nela, simplesmente mete a mão no meu bolso e passa todo o dinheiro para alguns; a distribuição é regrada. Que avareza! Que olhos grandes e que ganância cruel! Meu feitio não é este, meu caráter e comportamento muito menos; minha dignidade é forte, porém me fizeram de fraco; corrompendo-me, me lançando dentro da falcatrua e me expuseram ao ridículo das improbidades, crime de responsabilidades, entre outros, além de me culparem como falsificador, enganador e traidor.

Eu não mereço tantas ofensas e tanto desrespeito. Não sou humano; sou um ser abstrato, todavia tenho vida própria, sentimento e sinto na pele minha doença; vivo constantemente moribundo e de vez em quando vou a uma UTI. Mas ainda resisto e resistirei, até quando, eu não sei. Só sei que meu destino é obscuro, minha caminhada tornou-se semelhante à de um coxo e a uma preguiça que tenta subir numa árvore que sobre ela derramaram mel (pra mim, o fel).

Que desengano e desencanto. Mas, continuarei lutando para que eu sobreviva e antes de morrer devo fazer um testamento, doando tudo que de bom eu fiz e dos bens que ainda me dizem respeito: o caráter, a dignidade, a lealdade, a honradez, a ética, a moral, a responsabilidade e tantos outros adjetivos e predicados que alicerçaram meu passado.

Hei de lembrar, que alguns dos meus descendentes, simplesmente patentearam (coronéis, capitães, etc.); chicotearam-me, me tornaram um excluído, um faminto e um despido. Outros, através de “slogans”, tentaram me proporcionar certo crescimento; escrita e "chargemente", me chantagearam com uma suposta modernidade, os quais não pregaram nada mais nada menos do que o “atrasismo”, cuja participação nesse processo ficou restrita aos vândalos da imbecilidade ou aos monstros que demoliram a ação dos pequenos (em termos gerais). Já os últimos, revelaram-se e rebelaram-se ironicamente com uma democracia sem eira nem beira, esbanjando uma modernidade abusiva aos interesses jamais endereçados ao meu estilo de querer sempre o novo e não o caduco; de agir de forma real e não demagoga.

Pois é, até meus mananciais destruíram e continuam destruindo; minhas lagoas, rios, riachos e córregos, extirparam do meu solo; minhas florestas queimaram e minhas estradas estreitaram ainda mais. Eu desconheço o meu meio ambiente, minha natureza.

Minha história queimaram e não permitem que a refaçam, recriem ou reeditem, e minha geografia desfiguraram completamente. Minha vida social foi nitidamente extinta, minha religiosidade encontra-se mais que abalada e minhas tradições evaporaram-se tal qual a nuvem que passa do estado sólido para o líquido.

O que devo dizer? Nada além do que isto: chego aos meus 177 (1831) ou 83 (1925) anos, embora lúcido, mas com seqüelas causadas por ações praticadas por muitos dos meus filhos que não me ouviram e continuam sem me ouvir; por muitos netos que não quiseram ou não souberam administrar a minha saúde; por muitos bisnetos que não agiram conforme minhas instruções de educação e por tataranetos que me deram às costas, esqueceram totalmente de um tronco genealógico, fincado numa terra fértil, mas que por não regarem, ela não deu e nem mais dará seu fruto no tempo certo.

E pra finalizar, lanço um desafio: antes que eu complete os 180 ou 85 anos de existência, me presenteiem com a independência total do meu desenvolvimento, com maturidade explícita da minha vida pública e política; com razão, eficácia, bem estar para mim, os bons filhos que me restam; em fim, toda família Jeremeobense.
Que aqueles que ainda me reconhecem como pai, tomem conta de mim.
PRABÉNS A MIM MESMO. MEREÇO?