15/09/2008

ÁGUA DOCE
Cristina Fam
Cresci ouvindo dos mais velhos que chegaria o tempo de se andar de barco na praça; “aqui já foi Jeremoabo”, Doca de sinhá Vitória contava muitas histórias, ao cair da tarde sentada em sua cadeira observava o por do sol, sempre fazendo previsões para o futuro, dizia: “chegará o tempo que ninguém dará um copo d’água será comprada, que faltaria corrente para prender os doidos, que a corrente viria em forma de cachês “comprimidos”.

As famílias teriam muitas dificuldades em “educar” seus filhos. A educação seria dada por aparelhos mudando comportamento, ensinando coisas proibidas, filhos não respeitariam os pais, a justiça teria o dever de educar os “brutos”, que os pais jogariam seus filhos abortados em monturos, os próprios assassinos. Que o inferno ascenderia seu fogo embaixo dos pés dos mandantes esses enviados de um mundo escuro. É chegada à hora da roda grande passar dentro da pequena, -“Eu não alcançarei esse tempo, mas você saberá dessas coisas e não terá surpresa” dizia com tristeza.

Rezávamos todos juntos o terço ajoelhado pediam a Providência Divina sorte, proteção, alertava o coração, dizendo sempre para fazer as coisas com amor, encontraria ai proteção e a salvação, que Deus deve estar presente em nossas ações. Haverá muita perseguição, não tema o Deus Eterno estará sempre contigo. Quanta segurança nos deu, recebemos no coração suas bênçãos, guardamos o ensinamento abastecido das suas sábias palavras!
Haverá guerra; fome; doenças incuráveis, o dinheiro é dado à loucura apossando-se dos que se deixavam escravizar, presos em papeis pior que calabouços, sem promessa da prosperidade do homem, a pior cadeia sem grades.

Falava da água abundante no nosso vale que embaixo da igreja corre um braço do mar, a baleia adormecida, basta colocar o ouvido no chão para ouvir o som das águas. Os jesuítas construíram a igreja em cima para proteger essa fonte de água cristalina, como uma reserva para um futuro sedento, a guerra da água matará crianças, idosos, fracos. Os covardes baixam a cabeça para não enxergar a miséria humana.

Jeremoabo do lado da Santa Cruz tem água salgada é herança do mar no tempo da criação do mundo, que se cavar um buraco cairemos no abismo, e do lado do rio Vaza Barris, a mata adoçou as águas recebendo as bênçãos do Criador. Que era necessário conservar a árvore para termos sempre água de boa qualidade. O lenhador sempre fazia oração pedindo permissão à natureza para retirar a lenha. Construir sua casa, mas nunca a árvore do rio, madeira que fabricava mesa e bancos era outra que no tempo certo na lua certa na hora certa escolhia a árvore notava a tristeza das outras vendo uma irmã sendo cortada. Para ascender o fogo pedia permissão; apanhava os galhos secos, para alimentar sua família o solo dava o fruto.

A sabedoria do sertanejo ensina o respeito à natureza, sabe, desde muito cedo que a necessidade física é grande e a mãe terra tem toda a provisão necessária à sobrevivência sem desperdício. Usar com sabedoria e humildade, agradecer; deixar para os irmãos que virão, desde a chegada de cada no mundo, tem conhecimento também da partida, embora desconheça a luta que irá enfrentar nas dificuldades, sabe que a vida é curta quando há felicidade, e, longa no sofrimento.

O velho jesuíta orientava na fé, ensinava os 7 dons do espírito, mostrava com a palma da mão a linha da vida de cada, dando destino, custavam muito suas profecias, cobrava atenção, sabia lidar com gente simples, o caboclo, falava da sabedoria do outro lado do mundo. Ao cair da tarde hora sagrada para ouvir histórias do mundo de Deus, escutava com bastante atenção, guardando essas coisas no coração. Saudades.

Cristina Fam
Boas lembranças da minha querida avó Doca.
Estórias da minha infância
Recordações de um tempo vivo.