Como o mensalão, petrolão é a máfia sem capo
Fonte:http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br
Na noite da chegada do verão carioca, aberto
oficialmente às 21h03 de um domingo abafadiço, com picos de 39,1 graus no Rio,
Venina Velosa da Fonseca esquentou a pauta do Fantástico. Com os lábios no
trombone há dez dias, a ex-gerente da Petrobras falou à repórter Glória Maria.
Contou uma novidade: além dos alertas enviados por e-mail, conversou pessoalmente com Graça Foster, em 2008, sobre
irregularidades que grassavam na estatal.
No mais, Venina repetiu o que o repórter Juliano
Basile já havia noticiado no diário Valor Econômico. Com uma
diferença: a letra fria do jornal foi substituída pela cara compungida da
denunciante na tevê. Voz tranquila, pausas adequadas, português correto,
raciocínio lógico, tudo em Venina parecia afastá-la do perfil de doidivanas
contrariada que a Petrobras tenta traçar nas linhas e, sobretudo, nas
entrelinhas de seus comunicados oficiais.
Num dos trechos mais inquietantes da entrevista,
Venina repetiu de viva voz uma passagem que saíra no jornal. Ela foi à sala do
seu superior hierárquico, o então diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo
Roberto Costa, para reportar irregularidades que farejara em contratos da área
de comunicação. Sugeriu a apuração dos desvios. Paulo Roberto, hoje delator e
corrupto confesso, teve uma reação inusitada.
“… Ele ficou muito irritado comigo. A gente
estava sentado na mesa da sala dele, ele apontou para o retrato do presidente
Lula, apontou para a direção da sala do Gabrielli [então presidente da
Petrobras] e perguntou: você quer derrubar todo mundo? Aí eu fiquei assustada e
disse: olha, eu tenho duas filhas, eu tenho que colocar a cabeça na cama e
dormir. No outro dia, eu tenho que olhar nos olhos delas e não sentir
vergonha.”
Procurado, Lula não quis comentar as declarações
de Venina. Natural. Paulo Roberto tornara-se diretor da Petrobras em 2004, sob
Lula. Era da cota do PP, um dos partidos do conglomerado governista. Mas Lula,
como sabem todos, não sabia de nada. A propósito, Lula veiculara mais cedo,
também no domingo, um vídeo no qual declara que “o povo quer mais ética”.
E aconselha Dilma Rousseff a “continuar a política de forte combate à
corrupção.”
Lula nem precisava dizer. Também neste domingo,
11 jornais latino-americanos veicularam uma entrevista da presidente da República. Nela, Dilma
declara que não há uma crise de corrupção no Brasil, informa quer não existem
pessoas intocáveis no país e sustenta que a petroladroagem só toma de assalto
as manchetes porque a Polícia Federal do seu governo é extraordinariamente
implacável.
Considerando-se que Lula não sabia e que Dilma
nada enxergara nem no tempo em que presidira o Conselho de Administração da
Petrobras, resta concluir o seguinte: a exemplo do que sucedera na época do
mensalão, a excentricidade da não-crise atual é a corrupção acéfala, a máfia
sem capo.
Onde estão os chefes? Eis a pergunta que parte da
plateia volta a se fazer, sem obter resposta. Enquanto Lula e Dilma reivindicam
o papel de cegos atoleimados, Graça Foster, que também não viu coisa nenhuma,
pede para ser vista como a mulher menos curiosa do planeta.
Graça alega que os e-mails que Venina lhe enviou
eram confusos. A denunciante lamenta não ter sido procurada para desfazer a
confusão. “Nós sempre tivemos muito acesso”, contou Venina. “Eu conhecia a
Graça na época que ela era gerente de tecnologia, na área de gás, e eu era
gerente do setor, na área de contratos. Éramos próximas. Então, ela teria toda
a liberdade de falar: ‘Venina, o que está acontecendo’?”
Na Petrobras e no Planalto, insinua-se que Venina
não é santa. Ainda que seja pecadora, interessa saber se o que ela diz procede.
Por sorte, a denunciante já presto depoimento de cinco horas ao Ministério
Público Federal. Repassou documentos aos procuradores. Tudo a reforçar que a
sensação de que a maior estatal do país tornou-se uma Chicago sem Al Capone.