LAMENTO DE UM ANCIÃO
Espedito Lima
Lá se foram os meus anos, meus meses, semanas e dias; horas, minutos e segundos; manhãs, tardes e noites; inverno, primavera, verão e outono. Resisti a tudo isso; suportei e tenho suportado a cruz que sobre mim colocaram e com ela tenho andado, claudicante. Tenho derramado lágrimas e enxugado meu riso, sem nenhum murmúrio, apenas refletindo: quem sou eu, quem me fez; de onde vim e pra onde vou? Quem são meus pais; meus ancestrais; minha morada; meu tempo, minha vida, meu princípio e meu fim?
Sem descanso, sem dormida; nenhum travesseiro tenho sob minha cabeça, muito menos uma cama e um colchão para repousar. Sinto-me completamente abandonado, embora tenha servido tanto. Que fazer? Não sei se devo reclamar de minha vida; ela tem sua história, seu palco, seus artistas. Não sou um teatro, porém me encenam como uma peça vultosa e lustrosa, que me tornam engalanado para alguns e enojado para outros. E lá vou eu, sem disputa e sem vitória, sem saída e sem chegada; numa maratona que me deixa exausto, a ponto de me debruçar sobre uma muralha erguida ao redor de um monte, mas com a água constante que o circunda, desaba (o) e por ela sou levado como a folha que o vento transporta de um lugar à outro e lá fico aguardando um socorro que não vem.
Sou um cânion que me vêem e me usam; o moinho que remove e ao mesmo tempo lança sobre o chão aquilo que nem os roedores, mesmo famintos, não ousam chegarem perto e passam adiante como se nada tivessem visto ou acontecido. Este é o prazer que me proporcionam e o lazer a que me levam: angústia, decepção, maltrato, insegurança, desprezo; analfabetismo, violência. Fazem-me de verme, me vomitam e me envolvem num linho amoldado como se fossem cobrir a nudez de uma noviça, mesmo sem ser virgem. Que desolação! Que espanto! Que Crueldade!
Como é melancólica a velhice e os dias da idade; estes passam e aquela chega trazendo consigo uma saudade de aventura e um desejo do rejuvenescimento à altura de um período não muito distante, que proporcionou uma alegria, mesmo que momentaneamente, porém mais que suficiente para aniquilar um prazeroso sofrimento, jamais intencionado para vê-lo e senti-lo. Ainda enxergo, ainda ouço, ainda falo e ainda ando, mas nada disso me faz entender o porquê de tanta insatisfação comigo mesmo e com aqueles que ousam me destronar e me causarem um AVC (acidente vascular cerebral) consciente por não ter realizado uma obra que servisse de abrigo, nem que fosse para uma parada de insetos nocivos, não a mim, mas a todos quantos me empurraram num abismo profundo, pensando que me causariam uma morte súbita, mas ainda sobrevivo.
É difícil, todavia, me consolo, embora com profundo lamento por não terem me lançado definitivamente no rol da lista negra que hão de publicar pós julgamento dos crimes que praticaram contra mim, cujos autores trabalham incessantemente para se transformarem em supostas vítimas. E quem me julgará? Eu mesmo? Já estou condenado. Eles já prolataram a sentença condenatória, antecipadamente. Resta apenas o cumprimento da pena e o local, não sei se numa catacumba normal, sem sentinela ou numa urna eletrônica, com dia e hora marcados para início e fim do funeral que, de uma vez por todas, descerão às estranhas, não da terra que os deve tragar, mas do esquecimento eterno. DESCANCEM EM PAZ, SE PUDEREM!