07/10/2008

FELICIDADE DA ÉPOCA
Cristina Fam
Nossa época deve se considerar feliz por duas razões. Com relação ao passado, desfrutamos de todas as culturas e de suas produções e nos alimentamos do sangue mais nobre de todos os tempos. Estamos ainda bastante próximos da magia das forças de onde essas culturas saíram para poder nos submetermos a ela temporariamente com alegria e estremecimento, enquanto que as civilizações mais antigas só puderam desfrutar de si mesmas, sem ver mais além, como se estivessem encerradas numa redoma de vidro, onde penetravam os raios de luz, mas sem deixar passar o olhar. Com relação ao futuro, pela primeira vez na história se abre para nós a visão prodigiosa dos desígnios humanos e ecumênicos que abrangem a terra inteira. Ao mesmo tempo, sentimos em nós a força de tomar nas mãos, sem auxilio sobrenatural, mas também sem presunção, essa nova tarefa; e qualquer que seja o resultado de nossa empresa, mesmo que tivéssemos estimado muito elevadas nossas forças, não haveria ninguém, em todo caso, a quem deveríamos prestar contas, fora de nós mesmos: a humanidade pode desde agora fazer por si tudo o que quiser. – É verdade que existem singulares abelhas humanas que, no cálice de todas as coisas, sempre sabem sorver unicamente o que há de mais amargo e de mais lamentável; - e, com efeito, todas as coisas trazem em si algo desse fel. Que essas abelhas humanas pensem, portanto, da felicidade de nossa época tudo o que quiserem e que continuem a construir a colméia de seu desprazer.

Nietzsche
Miscelânea de Opiniões e Sentenças
pag(84)